terça-feira, 26 de junho de 2012


Estudos em Geociências e Direito
Law & Geosciences studies
Terça-feira, 26 de Junho de 2012


disponível em: http://www.geodireito.com/?p=4994


Má cartografia ajuda a derrubar presidente do Paraguai
José Casado*

A crise política paraguaia está assentada sobre um país de dois andares. O primeiro é reconhecido pela cartografia internacional e tem 406 mil quilômetros quadrados de extensão — equivalente ao estado do Mato Grosso do Sul. O segundo andar é de papel, plasmado nas escrituras de propriedade arquivadas no Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra. Elas deixam o Paraguai com um território de 528 mil quilômetros quadrados, quase do tamanho de Minas Gerais.

A diferença não é pequena. Entre o mapa oficial e as terras tituladas sobram 122 mil quilômetros quadrados — uma área três vezes maior que o estado do Rio de Janeiro e onde caberia todo o Reino Unido.

O morticínio da sexta-feira passada na disputa por terras em Curuguaty, na fronteira com o Brasil, detonou o conflito institucional. Lá ficaram estendidos 17 corpos, entre eles os de seis policiais. Então, veio o golpe parlamentar.

As características de falência do Estado na outra margem do Rio Paraná são cada vez mais evidentes — e realçadas pela disputa de espaço político entre fazendeiros e comerciantes, com suas milícias de aluguel, e os líderes de grupos financiados pela narcoguerilha colombiana, as Farc.

Na essência, a estrutura do país é a mesma da ditadura do general Alfredo Stroessner, quando adversários eram torturados ao som da música “Cidade Maravilhosa”. O ditador renunciou em 1989 e morreu exilado em Brasília, em 2006.

Na redemocratização, seus antigos colaboradores mantiveram o poder assentados em um frágil acordo de partilha dos lucros. Juan Carlos Wasmosy (1993-1998), por exemplo, preservou intacto o duto pelo qual suas empresas desidratavam os cofres da estatal Itaipu Binacional.

O acordo foi rompido no governo seguinte, de Raúl Cubas, e terminou com o assassinato do vice-presidente, Luis Argañas. Cubas renunciou. Mais tarde perdeu a filha em sequestro coordenado pela narcoguerrilha colombiana.

Em 2004, sob patrocínio venezuelano, o então bispo católico Fernando Armindo Lugo Méndez se elegeu (com 40% dos votos), liquidando a hegemonia de seis décadas do Partido Colorado.

Venceu com discursos baseados numa interpretação do Evangelho segundo o marxismo. Desafiou o Vaticano como arauto de uma ressuscitada Teologia da Libertação na América do Sul.

No governo, sustentou a retórica do “ideal revolucionário”, mas deixou intangível a estrutura de negócios obscuros que permeia o poder público desde a era Stroessner. E avançou no flerte com líderes ligados à narcoguerrilha.

Na noite de quinta-feira, em Assunção, quando só dispunha de um voto na Câmara, Lugo recebeu a cúpula da Igreja paraguaia. Surpreendeu-se ao ouvir a sugestão de renúncia.

Do outro lado da cidade, a conspiração crescia emulada pelo líder da oposição, Horacio Cartes, candidato às eleições presidenciais de abril de 2013. Cartes é um industrial destacado em relatórios da DEA, agência antidrogas norte-americana, por lavagem de dinheiro na fronteira.

O rito sumário no processo de impeachment é indicativo do empenho dos conspiradores. No entanto, o principal aliado da oposição foi o próprio Lugo: por indolência, caiu no abismo.

* colunista do Globo a Mais

Fonte: O Globo

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